CLT FLEXÍVEL: HÁ RISCOS NA INOVAÇÃO DE BENEFÍCIOS NA GESTÃO DE PESSOAS?
- Bruno Milano
- 26 de jul. de 2022
- 4 min de leitura
Por Carla Marzani

Na busca por manter a empresa em funcionamento e sem dispensar empregados, em meio a crises econômicas e situações de pandemia, algumas empresas optaram por se reinventar instituindo o home office, contratando pessoas na modalidade de pessoas jurídicas ou ainda modificando a própria remuneração do empregado, agregando à composição salarial benefícios que não integram tal base.
Parte-se do princípio que a flexibilização de direitos trabalhistas através da negociação entre empresa e colaborador diminui o índice de demissões e possibilita remunerações em teoria mais altas, além da melhora da qualidade de vida dos empregados.
A queixa em relação à contratação costumeira regulamentada pela CLT, ou seja, aquela em que o empregado tem o valor do salário e sobre este incidem férias mais 1/3, 13º salário e FGTS, ocorre devido à alta carga tributária, principalmente para o empresário, que além dos impostos, precisa pagar férias, 13º terceiro, FGTS e recolhimentos ao INSS.
Dentre as medidas adotadas para evitar altos gastos pela empresa, mas mesmo assim pagar uma remuneração satisfatória ao empregado, está a chamada CLT Flexível, que consiste no pagamento de determinado valor como salário, devidamente anotado na carteira de trabalho, e outra parte da remuneração é concedida através de utilidades.
As utilidades costumeiramente fornecidas para os empregados são vale-alimentação, prêmios, abonos, ajuda de custo, acessórios, educação, vestuário e diárias para viagens. Todavia, outros tipos de utilidades vêm sendo criadas e concedidas sem qualquer incidência nas verbas as quais o empregado tem direito, através de cartões de benefícios.
Em campanhas publicitárias agressivas veiculadas na mídia e as redes sociais incentivam o fornecimento de utilidades, normalmente omitindo os riscos daí decorrentes. O empresário desavisado pode aderir ao pagamento de utilidades em quantia expressiva, acreditando estar beneficiando sua empresa e o empregado, mas com exposição a riscos igualmente consideráveis.
Recentemente surgiram cartões de crédito pré-pagos, os quais são fornecidos pelas empresas aos empregados, e podem ser utilizados para alimentação, cultura, cabelereiro, gasolina e outra infinidade de serviços e produtos. Além disso, esses cartões geram milhas aéreas.
Esta prática é defendida devido à previsão contida na Lei Trabalhista, especificamente nos arts. 457, §2º e 458, §2º, da CLT, que versam sobre as utilidades que podem ser concedidas pelo empregador e não fazem parte do salário, de modo que não geram impostos e reflexos nas verbas costumeiramente pagas.
A CLT exemplifica que pode ser concedido como salário utilidade o vale alimentação, assistência médica e odontológica, vale-cultura, dentre outros. Todavia, é toda cautela é necessária na aquisição destes produtos ou fornecimento de utilidades com valores expressivos.
A título de exemplo, o Tribunal do Trabalho de Minas Gerais, ao avaliar uma situação em que as diárias de viagem superavam o percentual de 50% do salário do colaborador, determinou a integração dos valores em sua remuneração (0000060-48.2012.5.03.0129). Outra condenação curiosa do mesmo Tribunal (0011063-72.2018.5.03.0134) ocorreu contra uma empresa de logística que prestava serviços para a Natura Cosméticos S.A. A empresa fornecia brindes em cosméticos para os funcionários que realizavam horas extras, cerca de sete brindes por mês, no valor médio de R$ 60,00 cada. A empresa foi condenada a pagar os reflexos em 13º salário, férias mais 1/3 e aviso prévio, sobre todo o valor calculado pelos brindes.
A linha entre o reconhecimento da legalidade ou fraude na utilização da CLT Flexível é tênue, isso porque, não necessariamente toda remuneração paga a título de utilidade é um meio fraudulento utilizado pelo empregador para se desonerar de impostos e não pagar verbas trabalhistas. O pagamento de utilidades deve seguir uma proporcionalidade razoável, por exemplo, uma remuneração composta por 40% de salário e 60% de salário utilidade pode caracterizar fraude e o empregador está sujeito a ser penalizado.
Ao adotar o pagamento de utilidades para o colaborador, deve se ter em mente que a abusividade desta prática pode surtir efeitos muito negativos, não somente por ajuizamento de demandas na Justiça do Trabalho, mas também devido à empresa estar sujeita a investigações perante o Ministério do Trabalho e Emprego e também pelo Ministério Público do Trabalho, as quais podem resultar no pagamento multas e na adesão de Termo de Ajuste de Conduta, que se caracteriza por um acordo firmado entre empresa e MPT para cumprir obrigações ou deixar de fazer algo, sob pena de altíssimas multas.
O fato do salário utilidade não gerar reflexos em férias mais 1/3, 13º salário, FGTS e aviso prévio, além de diminuir o valor de impostos, pode parecer lucrativa e benéfica para ambas as partes em um curto prazo, todavia, tanto empregado quanto empregador são prejudicados ao adotarem esse sistema.
O empregado abre mão de receber um valor maior de 13º salário, férias, FGTS, além de prejudicar o valor da sua aposentadoria e de eventual auxílio previdenciário. Em contrapartida, o empresário ao pagar uma remuneração inferior ao trabalhador, pode sofrer impacto em seus lucros devido ao enfraquecimento do sistema capitalista e do mercado de consumo, além de ter que lidar com problemas perante a Justiça do Trabalho.[1]
Na prática, além da legislação e da jurisprudência, o direito do trabalho se pauta por diversos princípios, os quais são utilizados em caso de discussão perante o judiciário. Ao discutir a legalidade ou fraude da utilização da CLT Flexível, o juiz certamente se utilizará do princípio in dubio pro operário, que trata que na ocorrência de dupla interpretação de uma norma será aplicada a mais favorável ao empregado; o princípio da primazia da realidade, que levará em conta o que ocorre na prática da relação de emprego, independente do pactuado por documentos ou acordo entre as partes; e o princípio da irrenunciabilidade, que desautoriza o empregado a renunciar direitos legalmente assegurados em troca de benefícios e da manutenção do emprego.
Portanto, ainda que empregado e empresa façam acordos para o recebimento do salário utilidade, esse pacto pode ser afastado perante os órgãos judiciais e o empregador ser responsabilizado e condenado ao pagamento de altas quantias.
Sendo assim, é de suma importância a observância da razoabilidade e da boa-fé nas contratações, além de contar com o assessoramento de um advogado especializado em Direito do Trabalho, de modo a se certificar a adequação das políticas de benefícios das empresas ao entendimento legal vigente, evitando incômodos e prejuízos financeiros a curto e longo prazo.
[1]PORTO, Fabio A. Rapp. “CLT flexível” e suas implicações jurídicas. COAD Soluções Confiáveis. Fascículo Semanal nº 33, Ano XLVII, 2013. Páginas 282/271.
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